terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A alegoria do frango assado (5/6)...

(capítulo 1)

Capítulo 5

Na corte todos sabiam que descer os impostos fazia subir o IB. E todos sabiam que isso significava que o povo da 'terra de sabe-se lá onde' viveria melhor. Mas Fulaninho via coisas diversas. Via que quem pagava os impostos eram apenas os que podiam pagar. Pessoas como os seus pais nem dinheiro tinham com que pagar o que quer que fosse. Baixar os impostos só fazia com que os que viviam bem passassem a viver ainda melhor. E consequentemente comessem mais frangos assados. E o IB subia, pois claro...

Na corte também sabiam que quanto maior fosse o número de diligências produzidas num ano, mais o IB subiria. O que Fulaninho sabia é que não era o IB que fazia subir o número de diligências nem o inverso. Ambos subiam quando as famílias mais abastadas conquistavam mais alguns privilégios.

E tudo isto Fulaninho via simplesmente porque um dia resolveu dizer não àquela vida ordeira na aldeia de seus pais e viajara de encontro às coisas e às pessoas e às situações e aos problemas. O rei, aquele rei complacente que queria melhorar a vida do seu povo, nem sequer o seu povo conhecia. E apesar de todos os índices, continuava a desconhecer as suas condições de vida. Para ele o tal 'povo' era simplesmente uma amálgama de muitas pessoas que viviam todas mais ou menos bem, que reagiam em uníssono às suas medidas e que ficavam muito felizes e muito agradecidos por elas.

'-O povo vai nu!' - gritou Fulaninho quando percebeu a profundidade do seu próprio pensamento. '-O povo vai nu e ninguém vê!...'

Fulaninho sentiu que sabia mais que todos. Sabia o que os outros não sabiam. Tinha de os avisar. Decidiu que iria expor o caso ao rei. Lavou as suas roupas no rio, tomou banho, pôs azeite no cabelo, e dirigiu-se confiante para o palácio real. À porta explicou que tinha um assunto muito importante a expor ao rei, mas que só a ele o poderia revelar. Quando o porteiro estava pronto a bater a porta no seu nariz, Fulaninho acrescentou apressadamente 'tem a ver com o IB'. A porta abriu-se um pouco e o porteiro disse 'com o IB?... vou ver se o podem receber'.

Fulaninho foi recebido por três conselheiros do rei em pleno repasto. Podia cheirar-se o frango assado com que se lambuzavam.

'-Senta-te. Come. Ao que vens?' - perguntaram a Fulaninho que não resistiu ao convite. E enquanto mastigava o delicioso frango, Fulaninho ia explicando como o IB de nada servia...

'Como? Que dizes? Ousas vir até aqui desrespeitar o meu trabalho e o de todos os meus colegas?'

Fulaninho tentou então explicar tudo aquilo que sabia, tudo o que aqueles longos anos sem tecto lhe haviam ensinado. Mas não estava a ter sucesso. Depois de ouvir o último argumento de Fulaninho um dos conselheiros respondeu-lhe:


'-Jovem. Vieste aqui dizer-nos que o IB não interessa. No entanto, de tudo o que dizes, vejo que percebes bem a relação entre o IB e outras grandezas deste reino. Sabes que o número de sapatos está relacionado com o IB. Sabes que os bens que nos chegam das colónias estão relacionados com o IB. Sabes que o número de talheres de prata está relacionado com o IB. Sabes que os números de mestres e de nobres e de padres estão relacionados com o IB. Sabes que o número de casas senhoriais está relacionado com o IB. Sabes que o produto das colheitas do trigo está relacionado com o IB. Sabes que a gravidade das epidemias está relacionada com o IB. E muito mais pareces saber tu acerca das relações de todas estas coisas com o IB. E apesar disso ousas repetir que o IB não interessa? Como não interessa? Se o IB não interessa, o que é que interessa? O que mais pode interessar do que o vinho que se produz, do que as roupas que se fazem, do que as casas que se constróem? A vida é isto. E o IB traduz isto. Agora acaba de comer esse frango, volta para tua casa, reflecte sobre isto e descansa. Pareces agitado, jovem...'

(continua)

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