terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A alegoria do frango assado (4/6)...

(capítulo 1)

Capítulo 4

Fulaninho nunca mais se esqueceu do dia em que viu pela última vez o mensageiro. Veio anunciar a mais recente subida no 'índice de bem-estar' e as medidas para o novo ano: uma nova descida nos impostos e um novo aumento nas rendas. Foi nesse mesmo dia que Fulaninho fez as malas e zarpou.

Ao longo dos últimos mais de dez anos Fulaninho tinha sabido, através do mensageiro, das subidas do IB 'que tão importantes são para o povo da terra de sabe-se lá onde'. No entanto, em casa dele eram todos os anos os mesmos quatro ou cinco frangos. Os pais, agora com dores nos ossos, continuavam a levantar-se com o nascer do sol para trabalhar nas terras que não eram deles. E alguns amigos seus, os mesmos de sempre, continuavam sem frango assado mesmo no Natal.



Fulaninho estava farto daquilo. Arrancou à procura de outra sorte.

Ele não via nem mais nem menos do que viam os seus: que o IB subia, que não se falava noutra coisa senão nas subidas do IB e nas políticas do rei, mas que na realidade tudo continuava na mesma. Na sua aldeia, o velho Falus Baratus :) lá comunicava todos os anos ao rei o consumo de frangos assados. Todos os anos o consumo era maior. Mas Fulaninho sabia quem tinha aumentado o consumo de frangos... Valis Longus e companhia. Para os outros tudo permanecia mais ou menos na mesma.

No entanto Fulaninho era o único inconformado. Quando nesse jantar insistiu com os pais que eles tinham de se manifestar contra o aumento das rendas, e estes lhe disseram que tinha razão, mas que se o fizessem o senhor Longus trataria de arranjar outros inquilinos, Fulaninho percebeu que não podia suportar mais aquela situação.

Fulaninho transformou-se num vagabundo. Era inteligente, e não perdia a oportunidade de encantar alguém com as suas qualidades. Às vezes conseguia comida e abrigo. Outras vezes dormia na rua, ao frio, com o estômago vazio. Durante anos foi essa a sua sorte.

Para ele tinha valido a pena. O mundo revelara-se-lhe. Era essa a sua recompensa. E não a trocava nem por cem frangos assados! Ao longo das suas deambulações tinha descoberto coisas que nunca poderia ter conhecido lá na sua aldeia. Fulaninho cruzou fronteiras, conheceu a 'terra de cima' e a 'terra de baixo', dormiu com filhas de nobres (inclusive uma vez fez-se passar por um!), aprendeu a fazer sapatos, teve de roubar para comer... Via as diversas facetas da verdade. Viu como era importante para os senhores das terras ter mais poder sobre os seus inquilinos e como ficavam doentes quando estes lhes estragavam os campos ou lhes secavam os poços. Percebeu como esses senhores, as escolas, os mensageiros e o IB nada significavam para quem não tinha onde dormir ou o que comer.

Tinha conhecido pessoas que comiam tanto frango assado como o rei, que tinham o poder de distribuir o frango assado excedentário pelos que lhes prestavam vassalagem. Mas tinha igualmente conhecido quem nunca tivesse provado frango assado. Perto da fronteira com a 'terra de baixo' tinha conhecido uma comunidade de pessoas a quem o frango assado fazia azia. Noutra ocasião conheceu uma família que dizia que frango assado era para os que não conheciam a 'verdadeira cozinha'. Esses comiam pato assado. E na 'terra de cima' percebeu que a religião do povo não permitia a ingestão de aves de qualquer espécie.

Fulaninho confirmou de todas as formas as suas já antigas suspeições. o IB era uma falácia. Era um indicador do bem-estar, sem dúvida, mas só para algumas pessoas.

(capítulo 5)

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